Hipertensão afeta
três milhões de crianças e adolescentes brasileiros.
Quem
vê cara não vê coração. No caso de milhões de crianças e jovens brasileiros, o
coração não guarda maus sentimentos, como no ditado popular, mas um permanente
cansaço. Não há sintomas por anos a fio. Mas o problema quase sempre evolui
para complicações cardíacas em adultos jovens, sendo a mais grave a
insuficiência do coração e de órgãos nobres do corpo, como o cérebro e os rins.
A causa é uma só. Hipertensão.
Chamada
de inimigo oculto por seus danos em adultos e idosos, ela é mais perniciosa do
que se acreditava. Chega mais cedo e faz o coração dos jovens funcionar como o
de velhos. No Brasil, cerca de três milhões de crianças e jovens dos 3 aos 18
anos de idade sofrem de hipertensão, a maioria sem saber, destacam médicos. E,
agora, um novo estudo propõe baixar o patamar do que é considerada pressão alta
em crianças e jovens.
O que especialistas desconfiavam há
tempos teve comprovação no mais completo estudo realizado no mundo, publicado
na revista científica “Journal of American College of Cardiology”. A pesquisa
foi liderada pelo cardiologista brasileiro João Lima, professor de medicina e
radiologia da Universidade Johns Hopkins e diretor do serviço de imagem cardiovascular
do Instituto do Coração da mesma instituição. Lima e seus colegas se debruçaram
sobre dados de exames detalhados de 2.500 homens e mulheres acompanhadas por 25
anos, da adolescência à maturidade. Um trabalho difícil de realizar pela
duração e fidelidade dos voluntários, que jamais perderam uma avaliação, e pelo
grande número de pessoas estudadas, de diferentes origens étnicas e classes
socioeconômicas.
— Tivemos a comprovação de que
elevações moderadas da pressão sanguínea, consideradas dentro do limite da
normalidade para jovens adultos, podem causar danos no coração na meia idade —
salienta Lima.
IDEAL
MÁXIMO É 12/7
Essa condição pode levar até mesmo à
falência cardíaca. O problema é que a pressão de crianças e jovens nem sempre é
encarada com seriedade. Hoje, a medida máxima dentro da normalidade é a pressão
de 140 mmHg/90 mmHg (ou, simplesmente, 14/9). Acima disso, é hipertensão. A
pressão é indicada por dois números: o primeiro, de maior valor, é o sistólico.
O segundo, o diastólico. O primeiro diz respeito à força de bombeamento do
coração. O segundo, à pressão dos vasos sanguíneos periféricos, e está
relacionado ao relaxamento do músculo cardíaco.
— Defendemos que a pressão máxima dos
jovens não pode ultrapassar os 12/8, o ideal máximo sendo 12/7. Acima disso, o
coração sofre. Em pessoas com mais de 55 anos, pode ser maior. Mas nas crianças
e nos jovens, não.
Nosso estudo revelou que uma pressão constante
igual ou superior a 14/9 começa a causar danos na faixa dos 20 anos de idade e
pode provocar mudanças na função cardíaca tão cedo quanto aos 25 anos — frisa o
pesquisador.
O sistema circulatório pode ser
comparado ao hidráulico. Quanto mais pressão, maior o dano aos vasos e ao
coração, nossa bomba de músculo. A hipertensão nada mais é do que a pressão
elevada persistente. O número 14/9, por exemplo, mede a força no coração quando
ele contrai e relaxa entre as contrações.
— A pressão igual ou superior a 14/9
deixa o coração enfraquecido, porque ele não se dilata normalmente. Assim, um
jovem que sempre teve a pressão elevada chega aos 25 anos com um coração de 50
— explica o professor de cardiologia.
Quando o coração não consegue relaxar
tão depressa quanto deveria, o resultado pode ser um distúrbio chamado
disfunção diastólica do ventrículo esquerdo.
— Se o coração não relaxa não se enche
de sangue no tempo devido. É uma sobrecarga. E esta leva à insuficiência
cardíaca. Hoje, esse é o problema de saúde mais caro dos EUA. É recorrente, não
tem cura — observa Lima.
O problema faz com as pessoas se
sintam permanentemente cansadas.
Qualquer
pequeno esforço, como subir um ou dois lances de escada, se torna um grande
problema. Perde-se qualidade de vida. Se ganha risco cardíaco. O músico Carlos
Henrique Vicente, de 39 anos, sabe exatamente como é. Teve a hipertensão
diagnosticada aos 18 anos. O alerta foi uma dor de cabeça que não o deixava.
Carlos Henrique teve a sorte de identificar logo o problema, que hoje mantém
sob controle, porque desde os 8 anos participava de um programa de estudo da
pressão em crianças e jovens realizado pelo grupo da professora Andréa Brandão,
coordenadora do setor de hipertensão arterial do Serviço de Cardiologia da
Faculdade de Medicina da Uerj.
MEDIÇÃO
A PARTIR DOS 3 ANOS
O programa existe há 30 anos, o grupo
já avaliou mais de 500 crianças e inicia uma nova etapa, com estudantes da rede
pública e de duas escolas privadas, na faixa dos 10 aos 15 anos.
— Quase sempre o perfil da criança ou
do jovem hipertenso costuma associar obesidade, sedentarismo e história
familiar da doença. Mas nem todos se enquadram nisso. Por isso, é preciso
seguir as recomendações das sociedades médicas de pediatria e cardiologia e
medir a pressão em exames de rotina a partir dos 3 anos de idade — ressalta
Andréa.
As recomendações existem, mas não são
seguidas como deveriam.
— O resultado é que, dos cerca de três
milhões de crianças e jovens brasileiros que estimamos ser hipertensos, só uma
pequena parcela recebe tratamento preventivo — lamenta a médica.
Carlos Henrique se enquadrava no
perfil típico do jovem hipertenso, com casos na família. Mas ainda assim ficou
surpreso com o diagnóstico.
— É uma doença silenciosa. Ficou assim
por anos. Hoje me trato, me cuido mais, larguei o sal, mudei hábitos. Mas, se
não fosse o programa, jamais descobriria que era hipertenso — afirma.
Fonte: O
Globo

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