ANVISA libera importação ampla de canabidiol.
Conheça
a posição de especialistas da Academia Brasileira de Neurologia.
O uso do canabidiol (CBD) foi liberado
para prescrição, aos médicos do Estado de São Paulo, pelo Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), em 9 de outubro de 2014. A Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) já liberou seu uso medicinal por
importação para vários casos, exigindo-se prescrição, laudos médicos e termo de
responsabilidade.
Cada
vez mais o uso terapêutico dos canabinoides tem sido discutido. A ABN, através
de seus Departamentos Científicos, tomou sua posição de acordo com as
evidências científicas sobre o uso dos canabinoides nas devidas doenças
neurológicas.
Os canabinoides mais exuberantes são o
Δ9-tetrahidrocanabinol (THC), que possui propriedades psicoativas, e o CBD, que
não tem propriedades psicoativas. Existem no sistema nervoso central os
endocanabinoides, sendo dois tipos mais abundantes: o 2-arachydonoyl glycerol e
o n-arachidonoyl ethanolamide. Os endocanabinoides são liberados em resposta à
atividade sináptica excitatória, sendo sintetizados no corpo e nos dendritos
dos neurônios em decorrência do aumento da concentração de cálcio intracelular.
Inibem
a liberação de neurotransmissores pela via final em terminais gabaérgicos e, em
menor extensão, glutamatérgicos. Agem em vários mecanismos de plasticidade de curto
e longo prazo de sinapses inibitórias e excitatórias. Várias áreas cerebrais
são ricas em receptores CB1, como córtex frontal, núcleos da base, cerebelo e
região límbica cerebral. Por esses mecanismos podem ter ação em várias doenças
neurológicas.
Efeitos cognitivos
O uso de cannabis na forma inalada, por indivíduos
saudáveis, está associado o pior desempenho cognitivo, seja de forma aguda ou
crônica. A suspensão de seu uso reverte parcialmente essa queda, sem o
normalizar. Poucos estudos avaliaram a influência na cognição do uso de cannabis na forma inalada em pacientes com
doenças neurológicas. Pacientes com esclerose múltipla que utilizaram cannabis de forma inalada, seja com intuito
recreativo ou terapêutico, apresentaram pior desempenho cognitivo em teste de
velocidade de processamento de informação, memória operacional, funções
executivas e processamento viso espacial. O uso de CBD parece não ter relação
com declínio cognitivo, porém poucos estudos avaliaram seu uso na população
idosa.
Na
esclerose múltipla
O uso da maconha na esclerose múltipla
é frequentemente discutido no tratamento sintomático e preventivo. Alguns
cuidados devem ser tomados quanto à indicação do uso de canabinoides na forma
oral na esclerose múltipla, pois seus efeitos adversos podem ser agravados em
função de características inerentes à doença. Sintomas como comprometimento
cognitivo, fadiga e alterações de humor, que podem variar de depressão a
ideação suicida, devem ser avaliados antes da indicação dessas substâncias na
esclerose múltipla. O naxibimol é um preparado comercial, utilizado em alguns
países com indicação específica para espasticidade na esclerose múltipla.
Contém THC e CDB, na proporção de 1:1, de uso exclusivamente orobucal e
utilizado na dose máxima de até 12 puffs por
dia. Não existem estudos consistentes para indicação terapêutica da maconha na
forma de cigarros em qualquer dos sintomas da esclerose múltipla. Existem
estudos classes I II e III para preparados orais e naxibimols para alguns dos
sintomas da esclerose múltipla.
Para o tratamento da espasticidade,
estudos com naxibimols demonstraram melhora nas escalas de autoavaliação em
seis semanas, embora não fossem observadas melhoras nas escalas objetivas para
espasticidade. Sua eficácia em longo prazo ainda não foi confirmada. O extrato
de cannabis oral e o THC também se mostraram
eficazes apenas nas escalas de autoavaliação no uso por até 15 semanas; porém,
após um ano os resultados indicaram melhora também nas escalas objetivas de
mensuração da espasticidade. Esses resultados sugerem que essa opção
terapêutica pode ser considerada nos pacientes com esclerose múltipla, embora
faltem estudos de segurança com uso por longos períodos.
Na dor neuropática ou central, os
estudos foram realizados em períodos curtos, com eficácia variável. Os
naxibimols, os preparados com THC/CBD e o extrato de cannabis apresentaram resultados conflitantes,
e, embora não seja possível concluir de forma definitiva quanto a sua eficácia,
os dados sugerem que essa pode ser uma opção terapêutica em pacientes que não
responderam aos tratamentos convencionais.
No tratamento dos tremores e da
disfunção vesical, o uso dos naxibimols ou de preparados orais THC, CBD ou
THC/CDB mostrou-se ineficaz, não havendo neste momento indicação para seu uso
no alívio desses sintomas.
Concluindo, o naxibimol pode ser
utilizado na espasticidade e na dor da esclerose múltipla, desde que esgotadas
as demais possibilidades terapêuticas, sempre observando riscos e benefícios de
sua indicação.
Na
doença de Parkinson e em outros distúrbios do movimento
A American Academy of Neurology (AAN)
publicou recentemente uma revisão sistemática sobre a eficácia e a segurança do
uso terapêutico da maconha e seus derivados no tratamento de doenças
neurológicas.
Desse extenso trabalho da AAN podemos
verificar que há poucos estudos de qualidade disponíveis na literatura para
termos uma conclusão final sobre o uso terapêutico dos derivados de cannabis em pacientes com distúrbios do
movimento. Há que se considerar que o risco de efeitos psicopatológicos graves
pode chegar a 1%. Isso vai depender sem dúvida da proporção de THC presente no
tratamento, mas de certa forma não há relato de efeitos colaterais graves. Os
extratos de cannabis não melhoram as discinesias induzidas
pela levodopa em pacientes com doença de Parkinson.
Recentemente, estudos preliminares
utilizando CBD puro no tratamento de pacientes portadores de doença de
Parkinson revelaram um efeito positivo sobre os sintomas psicóticos, o sono e a
qualidade de vida dos pacientes12. O
CBD poderia ter efeito terapêutico nos sintomas do transtorno comportamental do
sono REM.
Em conclusão, apesar da ausência de
evidências suficientes para indicar o uso dos derivados de cannabis em pacientes com distúrbios do
movimento, há sinais de que o uso de extratos da planta e especialmente de CBD
pode ajudar a minimizar sintomas não motores da doença de Parkinson, como
psicose, distúrbios do sono, dor e, talvez, urgência miccional, e também
promover melhora geral da qualidade de vida dos pacientes. O uso terapêutico
sem indicação precisa só seria indicado em casos de distúrbios do movimento em
que os tratamentos convencionais disponíveis falharam e a qualidade de vida do
paciente esteja muito comprometida. É provável que o uso de CBD puro e extratos
de cannabis com baixo teor de THC sejam os mais
eficientes e menos propensos a causar efeitos indesejáveis.
Na
epilepsia
O CBD tem reconhecido efeito
antiepiléptico, porém com mecanismo de ação, segurança em longo prazo,
propriedades farmacocinéticas e interações com outros fármacos ainda obscuros.
As pesquisas clínicas bem conduzidas metodologicamente são limitadas, pois há
restrição legal ao uso de medicamentos derivados de cannabis,
embora o CBD não possua propriedades psicoativas.
Orrin Devinsky, professor da New York
University School of Medicine, foi autorizado pelo Food and Drug Administration
(FDA) a conduzir um estudo aberto com um produto contendo 98% de CBD, de nome
comercial Epidiolex, fabricado pela GW Pharmaceuticals. A dose diária foi
gradualmente aumentada até o máximo de 25 mg/kg/dia, associada aos medicamentos
que o paciente já utilizava. Os resultados dos primeiros 23 pacientes, cuja
média de idade foi de 10 anos, demonstraram que 39% dos indivíduos tiveram
redução de 50% de suas crises. Controle total das crises foi obtida em apenas 3
dos 9 pacientes com síndrome de Dravet (um tipo de epilepsia muito grave da
infância) e em 1 dos 14 pacientes com outras formas de epilepsia. Os efeitos
colaterais mais comuns foram sonolência, fadiga, perda ou ganho de peso,
diarreia e aumento ou redução do apetite. Todos os pacientes recebiam mais de
um fármaco antiepiléptico. Os resultados preliminares demonstraram redução de
50% de crises em cerca de 40% dos pacientes. Tal resultado não difere dos
resultados disponíveis na literatura dos mais de 20 fármacos antiepilépticos
disponíveis no mercado.
As populações expostas ao CBD são
compostas por pacientes com síndromes epilépticas heterogêneas, que não
responderam a qualquer outro fármaco ou que tiveram graves efeitos colaterais
com os medicamentos disponíveis no mercado. Nesse cenário, um composto que
tenha qualquer efeito benéfico se torna potencialmente útil.
Os dados científicos até agora
disponíveis permitem concluir que o CBD poderá desempenhar um papel importante
no tratamento de epilepsias muito difíceis, em casos específicos ainda não
definidos cientificamente.
Enfatizamos que o CBD terá
aplicabilidade dentro do cenário das epilepsias intratáveis, de dificílimo
controle, possivelmente com excelente resposta em alguns casos, razoável
resposta em outra e nenhuma resposta em alguns, como observado com o uso de
outros fármacos. A segurança e a eficácia do CBD necessitam ser mais bem
estabelecidas por estudos bem conduzidos, uma vez que os dados disponíveis na
literatura atual não preenchem os critérios científicos exigidos para que tal
composto seja utilizado como medicamento de forma indiscriminada na epilepsia.
Na
cefaleia
Não existem estudos recentes para seu
uso na cefaleia. Apesar de algumas afecções relacionadas à dor do segmento
cefálico responderem ao uso dos canabinoides, como na dor neuropática orofacial
(neuralgia do trigêmeo, síndrome da boca ardente e dor orofacial persistente),
e de sua ação no sistema de dor central (sistema trigeminal e substância
cinzenta periaquedutal) apresentar intensa intersecção com as vias dolorosas
envolvidas nas dores de cabeça, especialmente a enxaqueca, não podemos dizer,
pela falta de estudos específicos, que possa ser indicado para seu tratamento.
No
tratamento de dor neuropática
Três estudos avaliaram a eficácia da
marijuana no tratamento da dor neuropática. Em um deles foi utilizada a forma spray,
como analgesia adjuvante no tratamento de dor central em pacientes com
esclerose múltipla. Em outro estudo foi utilizada a forma inalatória, em
pacientes com dor neuropática pós-traumática ou pós-cirúrgica, com melhora da
intensidade da dor16. Em outro estudo
foi observada melhora da dor neuropática em pacientes com HIV
Por se tratar de um tratamento do tipo
Simples, Fácil, Barato e Racional (SFBR) em oposição a tratamentos
dispendiosos, tóxicos e custosos, pode ser uma opção para casos de dor refratária,
em falhas terapêuticas ou eficácia insuficiente. Para seu uso sistemático seria
necessário maior volume de estudos.
Conclusões
Parecem existir evidências de efeitos
benéficos dos canabinoides em alterações dos sistemas nervosos centrais e
periférico, porém estudos a longo prazo devem ser realizados (seu uso a longo
prazo ainda não é conhecido), com maior número de pacientes, com eficácia
medida por instrumentos objetivos. O uso do CBD é indicado na falha terapêutica
dos tratamentos já consagrados ou quando estes apresentam eficácia
insuficiente. O uso de cannabis de
forma recreativa é contraindicado pela ABN.
Fonte: The São Paulo Times – R7
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