O PAPEL DO MÉDICO AO RECEITAR UM ANTICONCEPCIONAL
Pergunta rápida: alguma
vez seu ginecologista mediu sua pressão antes de te indicar um método
anticoncepcional? Infelizmente, muitos nem mesmo perguntam o histórico
familiar, comportamento que não é indicado pela OMS.
“A organização recomenda
que seja feita uma ótima anamnese do paciente, ou seja, que sua história
seja bem detalhada – quais foram as doenças da família, quais doenças essa
pacientes têm, quais são seus hábitos, se é fumante ou se é sedentária – e que
seja medida a pressão da paciente, pois dependendo do tipo de hipertensão a
paciente não pode tomar hormônios combinados”, explica a
doutora Cristina Aparecida Falbo Guazzelli, ginecologista e
professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Cerca
de 25% das mulheres brasileiras são hipertensas, e nem todas sabem disso. Esse
é um risco real e muito grave e que não vem sendo considerado pelos
ginecologistas no momento de receitar o método contraceptivo. Do mesmo modo, é
papel do médico alertar quanto aos sintomas da trombofilia, a doença de quem
tem tendência a ter trombose. “Como usuária de anticoncepcionais com hormônios
combinados, a mulher deve se ater a alguns sinais que podem indicar a trombose.
O mais comum é que se observe alteração na região da panturrilha (batata da
perna). Ela fica inflamada, inchada, vermelha e quente. Normalmente é de um
lado só. O tromboembolismo pulmonar causa falta de ar repentina, associada a
uma dor no tórax. Esses são sinais de emergência que não podem ser ignorados. A
paciente tem que correr para o médico”, alerta Eduardo Zlotnik, ginecologista
do Hospital Israelita Albert Einstein.
Um
aspecto importante que deve ser analisado pelo médico é o que diz respeito ao
risco genético de apresentar trombofilia. Qualquer
mulher que tenha mutação no gene V de Leiden, no gene da Protrombina (fator II)
ou no MTHFR tem por si só de 7 a 8 vezes mais risco de ter trombose venosa
profunda. Se ela faz uso de
anticoncepcional com hormônio combinado, esse risco pode chegar a 30 vezes
mais. E a mutação não é rara: atinge uma em cada dez mulheres
brasileiras. Se a mulher infelizmente possuir mutação em dois genes ao mesmo
tempo e fizer uso de anticoncepcional, o risco de ela ter AVC isquêmico é 149
vezes maior do que na população em geral. O teste para detectar esse tipo de alteração
custa cerca de 300 reais, é coberto pela maioria dos planos de saúde e pode ser
feito com uma simples coleta de saliva.
“Fazendo
o teste, que tem 100% de segurança, e dando resultado positivo para a mutação,
não significa que a mulher vai ter a doença. Significa apenas que ela pode
tomar algumas medidas ao longo da vida para não ter nenhum tipo de complicação,
para não correr um risco desnecessário. Através da genética, você previne o
acontecimento da doença”, esclarece Ciro Martinhago, diretor da Chromosome
Medicina Genômica e membro da equipe de genética do Hospital Albert Einstein.
Ele defende que o teste seja aplicado ao menos nas mulheres que têm
antecedentes na família com trombofilia e que desejam tomar anticoncepcional
com hormônio combinado. Mas mesmo pessoas que não têm casos na família podem
estar sujeitas à mutação, porque nem sempre ela se manifesta.
Por
outro lado, muitos médicos ainda consideram o exame genético desnecessário. “A
incidência dessa mutação tem uma porcentagem pequena. Mesmo que os exames sejam
negativos, eu não posso afirmar que a paciente não vai ter trombose. São muitos
fatores que levam a essa doença. Fazer esse exame não está na recomendação de
nenhuma entidade médica”, defende Cristina Guazzelli. Para Martinhago, há uma
grande resistência de seus colegas a recomendar o exame porque as novidades da
área de genética demoram em chegar a eles.
Tromboses
por prescrição inadequada são comuns
Carla
Simone Castro, 41, é um exemplo importante de como o teste genético pode fazer
diferença. Ela é professora universitária e em setembro de 2014 teve fortes
dores de cabeça enquanto dava aula em Brasília. Foi levada de volta para
Goiânia por sua família e teve uma convulsão na sala do neurologista. Foi
internada imediatamente. Ela sofreu uma trombose cerebral, causada
provavelmente pelo uso da pílula de hormônio combinado Yasmin e pela mutação
genética, que ela só viria a descobrir depois de usar o método.
A
trombose lhe provocou três AVCs e, cerca de um ano depois do acontecido, ela
ainda tem de enfrentar cirurgias para corrigir as sequelas das fístulas que se
formaram em seu cérebro, um procedimento delicado e com risco de morte.
“Se eu soubesse dos
riscos, talvez eu não tivesse tomado o hormônio. Talvez eu tivesse usado outro
método. É um empoderamento para as mulheres o de poder escolher o que é melhor
para o corpo delas.” Carla começou a tomar a pílula para tratar miomas. Não
fumava, não era obesa, não tinha casos de trombose na família. Quando sua
ginecologista receitou o remédio, Carla aparentemente não integrava nenhum
grupo de risco. Aparentemente.
Assim
como Carla, muitas outras mulheres tiveram graves sequelas pelo uso de
anticoncepcionais com hormônios combinados. Depois de ter seu caso divulgado
através de um vídeo no Facebook, mulheres com histórias parecidas a procuraram.
Juntas, criaram na rede social a página “Vítimas de Anticoncepcionais – Unidas
a Favor da Vida”, com mais de 53 mil curtidas. Não é nada difícil encontrar
casos parecidos. Uma das internautas conta sobre a experiência de sua filha com
o medicamento Elani 28, receitado pela ginecologista. Depois de 32 dias de uso,
começou a sentir dores nas costas e na cabeça. Ao fazer uma ressonância
magnética, descobriu uma trombose cerebral. Outra mulher conta que depois de
tomar o mesmo medicamento, sob prescrição médica, acordou com desconforto no
ombro e no abdômen. Depois de idas e vindas ao médico, descobriu um
tromboembolismo pulmonar.
Muitas
dessas complicações poderiam ter sido evitadas se as mulheres tivessem sido bem
instruídas nos consultórios e soubessem os benefícios e riscos que essas
medicações oferecem. Para quem depende do SUS, a situação é ainda pior: “O
governo tem melhorado a disponibilidade de métodos anticoncepcionais, mas
atualmente temos na rede pública apenas um tipo de pílula, uma injeção mensal,
uma trimestral e, em alguns lugares, o DIU de cobre. Faz muita falta a opção de
outros métodos, principalmente os de longa duração.
Precisamos falar mais sobre
eles e os paciente têm que conhecer mais esses métodos”, diz
Guazzelli. Existem mais de 150 tipos de pílulas de hormônios combinados.
No entanto, há pelo menos outros 10 tipos de métodos anticoncepcionais, que
podem ser mais indicados para determinada mulher do que a pílula. Será que não
está na hora de rever os métodos para evitar a gravidez?
Fonte: Dr. Dráuzio Varela
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