Automedicação e uso incorreto de remédios podem
levar à morte
Especialistas afirmam
que um dos problemas é que doenças podem estar sendo mascaradas
No meio
da madrugada, um homem sente uma forte dor abdominal. Ele está com apendicite
aguda e não sabe. Toma um antibiótico sobre o qual ouviu elogios de um amigo,
sem consultar o médico. Vem um alívio inicial.
Nos dias
seguintes ele vai tomando o mesmo medicamento quando a dor volta. Sem se tratar
adequadamente, seu quadro começa a se tornar uma peritonite, cujas
consequências podem levar até a morte.
A
situação acima foi descrita em editorial da Revista da Associação Médica
Brasileira. E casos como esse têm se tornado cada vez mais comuns no Brasil e
no mundo. O dado, de 2006, da Abifarma (Associação Brasileira das Indústrias
Farmacêuticas), de que, anualmente, cerca de 20 mil pessoas morrem, no País,
vítimas da automedicação, até hoje tem servido como base para estudo de
especialistas.
Por
causa das atribulações da vida moderna e muitas vezes da dificuldade de acesso
a um médico, a automedicação se tornou uma perigosa atitude na tentativa
insistente de alívio de dor ou incômodo. Mesmo os medicamentos isentos de
prescrição que, segundo informe do Conselho Nacional de Saúde, correspondem a
65% do mercado, precisam ser ingeridos com critério.
Segundo
Paulo Rosenbaum, endocrinologista do Hospital Albert Einstein, os perigos da
automedicação atingem vários tipos de remédios.
—
Anti-inflamatórios podem provocar úlceras e até sangramentos no sistema
digestório e pioram a função renal em idosos. Analgésicos podem mascarar
sintomas e antibióticos podem causar resistência.
Para a
coordenadora do Sinitox (Sistema Nacional de Informações
Tóxico-Farmacológicas), Rosany Bochner, a automedicação é um fator que
contribui para os 86.028 casos de intoxicação registrados em 2012, na apuração
mais recente do órgão, pertencente à Fundação Oswaldo Cruz. Os sintomas mais
comuns registrados no levantamento são erupções de pele, tonturas, vômitos, dor
de estômago e até reações que levam à morte.
— No Brasil
existe muito esta situação de um vizinho recomendar um remédio para aliviar a
dor que fez bem para ele após consulta ao médico. Mas nestes casos o que é bom
para uma pessoa não significa que vá ser bom para a outra. O uso indevido de
medicamentos e a automedicação podem acarretar reações sérias que são
consideradas intoxicações.
Em
pesquisa realizada pelo ICTQ (Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para
Farmacêuticos), foi constatado que 76,4% da população brasileira utiliza
remédios com base na indicação de vizinhos, colegas, amigos e familiares. Em
muitas destas situações, os usuários determinam a dose sem nenhum critério.
— Se já
é difícil para o próprio médico entender um sintoma e acertar a medicação do
paciente, imagine o risco que ele corre se começar a se medicar por conta
própria.
Rosenbaum
acrescenta que a mistura de medicamentos, conhecida como interação
medicamentosa, também pode ser uma forma de automedicação. Nestes casos estão
incluídas combinações como ansiolítico com inibidor de apetite, antibiótico com
antiácido, medicamento para emagrecer com antidepressivos. Estas têm alto risco
de serem nocivas.
— A
associação de medicamentos pode provocar interação entre eles reduzindo ou
aumentando suas respectivas ações, o que se chama de toxicidade.
E isto
vale inclusive para vitaminas que a pessoa está ingerindo, ou alguma substância
fitoterápica. Se misturadas com um remédio para dor de cabeça, por exemplo, o
efeito pode ser danoso, conforme afirma Bochner.
—A
maioria das pessoas toma remédio de uso contínuo. Conheço o caso de uma pessoa
que ia tomar uma vitamina e, quando o seu cardiologista descobriu, alertou
imediatamente sobre o perigo que ela corria, já que tomava uma medicação
cardiológica que teria seu efeito alterado.
A
realização de abortos sem acompanhamento também causa transtornos. O uso do
misotropol, para o bloqueio da gravidez, já está associado a malformações do
futuro bebê. Substâncias homeopáticas também precisam ser ingeridas com
supervisão.
Mulheres
que querem combater o climatério (transição entre a fase reprodutiva e a não
reprodutiva) podem ingerir comprimidos de soja (isoflavonas) sem saber que
estão propensas a ter anormalidades na composição sanguínea.
A
ingestão de antibióticos sem recomendação médica, ou em doses exageradas,
conforme ressaltou Rosenbaum, pode propiciar resistência de certos
microrganismos no corpo humano e provocarem doenças e infecções graves.
Isto fez
a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária ) incluir os
antibióticos entre os medicamentos cuja apresentação da receita controlada é
obrigatória no momento da aquisição. A receita controlada vai além da simples,
por exigir alguns procedimentos como a existência de duas vias e a notificação
da farmácia via internet.
Praticamente
todos os medicamentos exigem apresentação de receita, com exceção dos isentos.
Há o conhecido escalonamento, que vai da tarja vermelha para a tarja preta de
acordo com as características do produto.
Isentos - Há casos, como uma dor de
cabeça, uma cólica momentânea, um leve enjoo, uma indisposição estomacal, em
que a consulta ao médico pode ser evitada com a iniciativa do próprio paciente.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) reconhece como legítimo este procedimento.
A
preocupação da entidade são as vendas realizadas de forma inadequada de mais de
50% de todos os medicamentos receitados que, por sinal, são dispensáveis, o que
demonstra também a responsabilidade do médico nesta questão.
A ANVISA, que regulamenta toda a
legislação neste sentido, também aprova. Em declaração para o R7,
um representante do órgão destacou, porém, que certos cuidados devem ser
tomados.
—O
problema surge quando ocorre o uso abusivo ou indevido destes medicamentos. A
rigor, todo medicamento envolve risco. Isso é fato. Mas o fundamental é não
utilizar estes medicamentos de forma insistente, se os sintomas não passam,
pois isto estará mascarando uma doença.
A antiga
figura do médico de família, aquele que estava disponível em todos os
instantes, já não é uma realidade. E, diante das filas dos hospitais, inclusive
os particulares, e da sobrecarga do sistema de saúde, o médico dos tempos
modernos nem sempre reage com paciência a um chamado para tratar de uma simples
gripe.
Qual o
limiar? A responsabilidade do próprio paciente. E, segundo a Anvisa, uma boa dose
de informação, já que a propaganda de remédios isentos é permitida por lei para
o público leigo.
A
agência incorporou regulamentações para a propaganda permitida, que deve conter
itens importantes de esclarecimento, como avisos obrigatórios.
Em relação
a medicamentos que exigem receita, a propaganda é proibida. Trata-se de
um tema polêmico, já que há correntes que defendem a proibição de propaganda
para qualquer tipo de medicamento.
Farmácia – A Anvisa explica que, pelo fato de
qualquer medicação ter risco, uma forma de atenuar tais imprevistos é que a
venda destes produtos deve, obrigatoriamente, ser feita somente nas farmácias.
A agência atribui ao farmacêutico a responsabilidade de orientar os clientes no
momento da compra.
Segundo
a OMS, 50% dos pacientes tomam medicamentos de forma inadequada. E um terço da
população do mundo é carente de acesso a medicamentos essenciais.
Para
Alaíde dos Santos Rodrigues, membro da diretoria da Associação Brasileira dos
Farmacêuticos, a falta de informação pode atrapalhar até a ingestão de alguns
medicamentos, feita muitas vezes de maneira incorreta.
—Alguns
precisam ser tomados com água e da maneira correta. Cortar o comprimido, por
exemplo, não adianta para acertar a dosagem. A leitura da bula também ajuda
para se informar sobre efeitos colaterais. São detalhes importantes, que devem
ser considerados.
Neste
ponto, Rosany Boschner também considera a função do farmacêutico fundamental.
Ele não pode ser confundido com o balconista da farmácia, que não pode ser o
responsável por dar suporte técnico ao paciente.
—O
farmacêutico deve ter uma função muito ativa. Nos Estados Unidos, por exemplo,
vi casos em que ele analisa o medicamento, vê o perfil do paciente, orienta e
muitas vezes até telefona para o médico para trocar informações. Isso é
importante para atenuar os perigos de qualquer tipo de automedicação.
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